segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O DESABAFO DA VIOLENTADA

Por: Natany Avelar

A poesia abaixo foi escrita por uma bolsista do PIBID após iniciar estudos sobre a violência sexual e a pedofilia. O texto estudado compõe o livro Tecendo Gênero e Diversidade Sexual nos Currículos da Educação Infantil (RIBEIRO, 2012). Várias discussões coletivas foram realizadas após a leitura individual do texto e, um dos aspectos evidenciados foi que é importante salientar que os malefícios físicos e psicológicos das violências sexuais são irreversíveis.
“Não é possível mensurar os traumas e não existe como determinarmos o que vem depois da revelação da violência sexual, mas acreditamos que é necessário romper com o pacto do silêncio, denunciando-a em suas diversas formas.” (FARIA e PAULINO In: RIBEIRO, 2012, p. 369).
Tentando descrever os sentimentos e as dores de uma pessoa que sofre com esse tipo de violência, o texto deixa claro que essa violação de direitos pode acarretar marcas, não somente físicas, que ficam por toda vida.



O DESABAFO DA VIOLENTADA

Natany Avelar

Todos os dias eu acordo com vontade de chorar,
Todos os dias eu penso em deixar essa vida.
É difícil tentar esquecer o passado,
Tentar não lembrar o que houve e me vejo sem saída.

Tanta gente vive normalmente
E eu fico pensando: Por que eu?
Por que tanto sentimento ruim?
Onde está Deus?

E quando vejo uma criança, penso em sua situação,
E me vejo, me lembro, me desmorono.
Lembro-me daquele homem de olhar grosseiro,
No quarto, me tirando o sono.

Lembro-me do cheiro de álcool,
De suas mãos ásperas em meu pequeno corpo,
E de seu pedido de silêncio.
Lembro-me do homem, do monstro, do porco.

Não me esqueço do seu toque,
Não me esqueço do meu medo,
Porque se fosse bom, se fosse carinho,
Não seria em segredo.

Aquilo me machucava, por fora, por dentro,
Eu temia por aquilo o dia inteiro.
Todos fingiam não saber de nada
E eu me enganava pensando que seria passageiro.

Acabou, mas não passou.
Acabou porque fugi daquela agonia,
Saí por esse mundo tentando viver melhor,
Mesmo que sozinha.

Agora não tenho ninguém,
Não sei se é bom ou ruim.
Mas fiz o que deveria fazer,
Não sei o que seria de mim.

Hoje um rapaz passou e me deu flores,
Não sorri, pois não tenho motivo.
Aqui no peito ainda tenho um coração,
Não sei morto ou vivo.



REFERÊNCIA
RIBEIRO, Cláudia Maria (org). Tecendo Gênero e diversidade sexual nos currículos da Educação Infantil. UFLA, Lavras, 2012, p. 355-370.

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